Ruas de Fogo: A Força Oculta da Torcida Colorada na Libertadores

Às vésperas de um confronto decisivo na Copa Libertadores, a fervorosa torcida do Internacional orquestra uma demonstração de apoio que transcende as arquibancadas do Beira-Rio. O objetivo é impulsionar a equipe em sua jornada contra o Flamengo, em um embate que definirá seu destino na competição continental.

Essa recepção, batizada de "Ruas de Fogo", transcende o mero espetáculo pirotécnico; é um ritual consolidado, uma tradição que se solidificou ao longo de quinze anos em partidas cruciais disputadas no santuário colorado. Quando o ônibus da delegação percorrer os últimos metros da Avenida Padre Cacique, será envolvido por uma massa vibrante de milhares de adeptos.

Ali, o céu se tingirá de um vibrante tom carmesim, enquanto os entusiastas, meticulosamente dispostos em um corredor humano, acenderão os sinalizadores, guiando o veículo da equipe, em uma espécie de cortejo fervoroso, até o estacionamento interno do complexo.

A Gênese de um Fenômeno Colorada

A gênese das "Ruas de Fogo" remonta a uma resposta engenhosa a uma restrição legal. A Lei nº 12.999, promulgada em 27 de julho de 2010, inserida no Estatuto do Torcedor, impôs uma proibição categórica ao uso de artefatos pirotécnicos dentro dos estádios nacionais, alterando profundamente a dinâmica do apoio das torcidas. Diante dessa nova realidade, a massa colorada buscou uma alternativa para preservar a tradição do espetáculo luminoso. A estratégia foi simples, mas eficaz: transferir o palco da manifestação das arquibancadas para as vias públicas. A estreia desse novo formato ocorreu em um embate crucial contra o São Paulo, durante a semifinal da Copa Libertadores de 2010.

Conforme explica Max Peixoto, fotógrafo e influenciador colorado, a iniciativa visava manter uma identidade:

"Era uma marca registrada do Inter desde os títulos sul-americanos, quando tinha o recebimento na arquibancada. A torcida conseguiu fazer esse movimento de levar para a rua, uma maneira de fugir da proibição e também englobar a galera que não consegue o ingresso, que não está no jogo, mas também se sente pertencente à festa"

O Impacto e a Expansão da Paixão

A sinergia entre a grandiosidade visual proporcionada pelos sinalizadores e o coro vibrante das canções entoadas nas arquibancadas é um catalisador de entusiasmo e ímpeto. Não raro, os próprios atletas registram e compartilham em suas plataformas digitais as cenas do apoio incondicional, amplificando o alcance dessa manifestação. O impacto da "Ruas de Fogo" transcendeu as fronteiras do Beira-Rio, inspirando movimentos similares em outras praças do futebol brasileiro, com torcidas como as do Coritiba e do Palmeiras já replicando a exibição pirotécnica em suas respectivas arenas.

A delegação do Inter já foi alvo dessa recepção em momentos cruciais, como antes do jogo contra o Tigres e na semifinal da Libertadores contra o Fluminense, demonstrando a constância e a relevância desse ritual para o clube.

A Complexa Engenharia da Mobilização

A materialização desse evento requer um planejamento meticuloso e uma mobilização financeira antecipada, frequentemente viabilizada por meio de campanhas de arrecadação online. A escolha recai, via de regra, sobre confrontos eliminatórios, e a preferência por períodos noturnos visa otimizar o impacto visual dos artefatos. A tradição se estende até mesmo para compromissos fora de casa; na semana anterior, por exemplo, os colorados organizaram uma recepção idêntica diante do hotel no Rio de Janeiro, antes do revés contra o Flamengo.

Para o embate de volta contra o Flamengo no Beira-Rio, a mobilização da torcida colorada atingiu números expressivos, conforme detalhado abaixo:

Max Peixoto ressalta a complexidade e o impacto da organização:

"É uma festa bem impactante, não é preparada de um dia para o outro. Demanda muita preparação com órgãos de segurança para tudo ocorrer da maneira mais segura possível. Dá quase 1 km para o ônibus passar e a gente transferir aquela energia e empolgação para os jogadores, além de ficar visualmente bonito"

O ápice dessa manifestação, em termos de escala, foi observado durante a semifinal da Libertadores de 2023, no embate contra o Fluminense, partida que culminou na eliminação colorada após uma virada por 2 a 1. Naquela ocasião, foram angariados impressionantes R$ 60 mil, o maior montante já registrado para a aquisição de artefatos e outros materiais. Um gesto notável foi a destinação de R$ 11 mil desse total para auxiliar as vítimas do ciclone que assolou o Rio Grande do Sul em setembro daquele ano.

Diante do cenário desfavorável, onde o placar de 1 a 0 no Maracanã exige uma vitória por ao menos dois gols de diferença para a classificação direta, ou por um gol para levar a disputa aos pênaltis, a força da torcida se torna um fator ainda mais preponderante. O confronto decisivo está marcado para as 21h30 desta quarta-feira, no palco que testemunhará mais uma vez a intensidade das "Ruas de Fogo" e a paixão inabalável de sua gente.